Na
Turquia, curdos travam luta secular por mais autonomia
- 10/04/2016 17h14
- Diyarbakir (Turquia)
Vladimir
Platonow* - Enviado Especial
As guerras na Síria e no Iraque reacenderam o
anseio histórico do povo curdo de ter seu próprio território. Após séculos
espalhados entre vários países da Ásia, os curdos conseguiram uma área autônoma
no norte iraquiano e, no dia 17 de março, autoproclamaram a independência de
uma faixa no norte da Síria, na fronteira com a Turquia, chamada de Rojava.
Essa movimentação geopolítica
acabou se refletindo na Turquia onde reside a maioria dos cerca de 35 milhões
de curdos da região, concentrados no sudeste do país. Estimativa do governo é
que de 15% a 20% da população turca seja composta de curdos. Embora grande
parte dos curdos se sintam incluídos na Turquia e não desejem se separar do
país, uma outra parcela se diz preterida e reivindica mais autonomia,
principalmente em relação ao ensino da língua curda nas escolas.
O lado mais complexo da questão é
a guerra interna travada entre o governo e guerrilheiros do Partido dos
Trabalhadores Curdos (PKK), considerado por muitos países como uma entidade
terrorista. Os recentes ataques à bomba no mês de março – na capital, Ancara,
no dia 13; em Istambul, no dia 19 e em Diyarbakir, no sul do país, no dia 31 –
deixaram 46 mortos e centenas de feridos. Todos os atos foram atribuídos ao
PKK.
O último atentado, em Diyarbakir,
teve como alvo um veículo no qual estavam policiais turcos e deixou sete
mortos. Com uma população aproximada de 930 mil habitantes, a cidade é
considerada a capital curda da Turquia e, por isso, é palco de conflitos
diários entre forças do governo e guerrilheiros do PKK. Em julho de 2015,
integrantes do partido declararam independência em alguns bairros da cidade o
que gerou uma reação armada do governo.
Boa parte da cidade continua sob
toque de recolher e cercada por grades de ferro. A população só pode passar
depois de se identificar e ser revistada por militares turcos. Em alguns
bairros, ainda há combates e espessas colunas de fumaça negra no céu indicam
bombardeios.
Prejuízos
Todo esse cenário se reflete no
comércio local, que amarga perdas milionárias, com lojas fechadas, resultando
em um forte índice de desemprego. Para o presidente da Associação Comercial de
Diyarbakir, Alaadin Korkutata, a guerra entre governo e PKK está prejudicando
toda a economia regional.
“Com o começo dos conflitos,
muitos empresários retiraram os seus recursos da região ou cancelaram os
investimentos”, reclamou, em seu escritório, com vista para a praça principal
da cidade, de onde se avistam os pontos de controle da polícia, protegidos por
sacos de areia e carros blindados.
Segundo ele, 5 mil lojas já foram
fechadas na região, deixando mais de 50 mil pessoas desempregadas. “Nós
precisamos de um ambiente em que se respeitem os direitos humanos e as
diferenças. Queremos educar os nossos filhos na nossa língua. Durante 100 anos
esta região não recebeu investimentos. Precisamos de uma discriminação
positiva. Se isso acontecer, não haverá mais nenhum problema na nossa região”,
disse Alaadin.
Para o representante da
Associação dos Advogados de Diyarbakir, Ahmet Özmen, a cidade vem sendo palco
de violações de direitos humanos por causa da guerra entre governo e PKK.
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“Há abuso de direitos humanos em
todos os sentidos. As leis internacionais definidas pelas Nações Unidas dão
direito aos Estados de reagirem com armas quando grupos terroristas representam
uma ameaça, mas eles têm que ficar dentro da lei. O próprio Estado não pode
cometer crimes”, sustentou Ahamet.
De acordo com o advogado, um dos
abusos cometidos pelo governo é a manutenção, por mais de 110 dias, do toque de
recolher no centro de Diyarbakir, inclusive em outras cidades vizinhas,
afetando diretamente a vida de 1,4 milhão de pessoas. Na visão dele, isso é
inconstitucional, pois não pode durar indefinidamente.
Mais ao Sul, na cidade de Suruç,
na fronteira com a Síria, a situação é ainda mais tensa para os curdos. Por
ali, circulam guerrilheiros do PKK e também voluntários do Estado Islâmico. A
região conta com reforço policial, tanto por agentes da polícia local quanto
por soldados do Exército turco. Cercas de arame farpado e barreiras impedem a circulação
de carros e pessoas, pois a região, até poucos meses, era campo de batalha
entre soldados curdos, do YPG, e militantes do Estado Islâmico. Dos limites de
Suruç é possível ver as ruínas da cidade síria de Kobaine, hoje dominada pelos
curdos.
A presença da imprensa não é bem
vista. O grupo de brasileiros que viajava a trabalho para fazer reportagem no
local, do qual fazia parte a Agência Brasil, foi detido por cerca de
cinco horas em um quartel militar. No local, todos os repórteres tiveram os
passaportes retidos e foram obrigados a fornecer dados e a tirar fotografias
para registro dos militares. Quem havia tirado fotos das instalações militares
foi obrigado a apagar a maioria dos arquivos.
A poucos metros de distância vive
a família de Fehmi Korkmaz, em uma casa à beira da rodovia principal. Ele
trabalha como eletricista e encanador, para sustentar os cinco filhos e a
esposa. Quando o Estado Islâmico tomou Kobaine, em setembro de 2014, Fehmi
precisou abandonar a casa e fugir, pois ela fica a menos de um quilômetro da
fronteira, hoje praticamente fechada.
“Antes era liberado passar para
Kobaine. Nós tínhamos relações comerciais fortes com o lado de lá, mas com a
guerra tudo piorou. Eu não tenho muitas expectativas positivas com o futuro.
Talvez não estejamos mais ouvindo tiros, mas a guerra continua”, disse.
Posição oficial
O governo da Turquia, por meio da
Embaixada no Brasil, informou que o sistema constitucional do país é baseado na
igualdade de todos os indivíduos, sem discriminação perante a lei,
independentemente de língua, raça, cor, gênero, opinião política, crença
filosófica ou religiosa.
“Com vista a melhor responder às
aspirações de nossos cidadãos, reformas têm sido feitas ao longo da última
década. Importantes avanços têm ocorrido, referentes aos nossos cidadãos de
origem curda, que incluem educação, serviço de comunicação pública e na redução
das diferenças inter-regionais em desenvolvimento socioeconômico. Quanto à
educação em diferentes línguas e dialetos, cursos opcionais são ministrados em
escolas primárias em curdo, circassiano, abkhaz, laz e línguas georgianas.
Institutos dessas línguas foram criados em algumas universidades. Além de
transmissões em curdo e árabe feitas pela emissora de televisão oficial TRT, a
agência pública de notícias, Anadolu, publica em oito línguas, incluindo o
curdo, o árabe e o bósnio.
Em referência ao PKK, o governo
turco destacou se tratar de uma organização considerada terrorista por vários
países, incluindo a União Europeia, os Estados Unidos e o Canadá. “A Turquia
está lutando contra o terrorismo do PKK. Os curdos e o terrorismo devem ser
disassociados, pois os curdos são parte integrante de nossa nação.”
* O
repórter viajou com um grupo de jornalistas brasileiros a convite do Centro
Cultural Brasil-Turquia
Edição: Lílian
Beraldo
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